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Acidente vascular encefálico em cães e gatos

Daniel da Silva Rodrigues

Residente em Clínica Médica de Animais de Companhia - UFMG



Introdução


A doença cerebrovascular em cães e gatos pode ser definida como uma anormalidade do cérebro que resulta de algum processo patológico que comprometa seu fluxo sanguíneo. Alguns dos processos patológicos desencadeadores são a oclusão de vasos por trombos e êmbolos, ruptura da parede de vasos, lesão ou alteração da permeabilidade de vasos e aumento da viscosidade sanguínea. O acidente vascular encefálico (AVE) é a apresentação clínica mais comum, sendo definido por sinais neurológicos agudos, focais, não progressivos e não convulsivos, secundários a uma doença cerebrovascular de base. No geral os sinais duram mais de 24 horas, quando inferior a esse período o episódio é chamado de ataque isquêmico transitório.

O AVE, do ponto de vista patológico, pode ser dividido em duas categorias: isquêmico e hemorrágico. O AVE isquêmico decorre da oclusão de vasos encefálicos por trombos ou êmbolos. Já o AVE hemorrágico resulta da ruptura de vasos sanguíneos do parênquima cerebral ou espaço subaracnóideo.


Fisiopatologia do AVE isquêmico


O AVE isquêmico se origina quando há uma obstrução arterial ou venosa no encéfalo, podendo ser uma obstrução intraluminal (causada por trombos e êmbolos) ou uma obstrução extraluminal ( causada por alterações perivasculares). As principais causas desencadeantes de AVE isquêmico em cães e gatos são o tromboembolismo séptico, hipotireoidismo, migração parasitária, hiperadrenocorticismo, diabetes melito, hipertensão arterial, insuficiência renal crônica, neoplasias e leishmaniose.

O local do evento isquêmico pode ser subdividido em duas regiões: núcleo e penumbra. O núcleo é o local onde o processo isquêmico é grave e o infarto se desenvolve rapidamente. A penumbra é a região que circunda o núcleo, onde ocorre moderada diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e há maior tolerância ao estresse isquêmico, pois a redução do fluxo é suficiente para ocasionar hipóxia mas não para ocasionar injúria irreversível e necrose. Como na penumbra a lesão é menos grave, as células ainda estão viáveis e com capacidade de plasticidade, sendo essa região o alvo do tratamento.



Fisiopatologia do AVE hemorrágico


O AVE hemorrágico ocorre quando há ruptura de vasos sanguíneos levando a formação de hematomas no parênquima cerebral ou espaço subaracnóideo. Esse processo resulta na formação de uma massa que altera a relação de volume e pressão no local, elevando a pressão intracraniana e diminuindo o fluxo sanguíneo cerebral. Inicialmente a pressão intracraniana pode se manter normal devido a um sistema de compensação conhecido como doutrina de Monroe-Kellie, a qual divide o espaço intracraniano em 3 constituintes (tecido cerebral, sangue e líquor) que possuem a capacidade de se balancear para compensar o aumento de volume de um deles. Porém, a medida que o hematoma se expande, o sistema de compensação entra em exaustão e a pressão intracraniana começa a aumentar, podendo levar a herniação cerebral. A compressão do tecido encefálico pela expansão do hematoma, associada ao aumento da pressão intracraniana e redução do fluxo sanguíneo cerebral origina áreas de isquemia, levando a piora no prognóstico. As principais causas de AVE hemorrágico são anomalia vasculares congênitas, neoplasias, vasculites, coagulopatias e migração parasitária.


Apresentação clínica


Tanto o AVE isquêmico quanto o hemorrágico são caracterizados por uma disfunção neurológica aguda, geralmente focal e assimétrica, não progressiva, ocorrendo melhora clínica entre 24 a 72 horas pela diminuição do hematoma e edema. Excetuam-se os casos de AVE’s graves, que geralmente são fatais, e também os casos em que há aumento da região de edema levando a progressão dos sinais clínicos em até 72 horas. Os sinais neurológicos dependem da localização específica da lesão dentro do encéfalo. Não há predisposição por raça, sexo ou idade, porém nota-se maior ocorrência em animais de pequeno porte em comparação com os de grande porte.


Diagnóstico


O diagnóstico do AVE deve passar inicialmente por uma avaliação clínica geral minuciosa para identificar alterações sistêmicas que agravem o prognóstico. Deve ser realizado o exame neurológico completo para localização da lesão e eliminação de diagnósticos diferenciais. Os exames complementares também são de fundamental importância no diagnóstico, tanto os exames de rotina quanto os exames de imagem avançada.

Os exames de rotina como mensuração da pressão arterial, hemograma, perfil bioquímico, urinálise e dosagem de hormônio tireoidiano podem ser de grande utilidade para descartar causas como a hipertensão arterial sistêmica, doenças endócrinas, nefropatias, cardiopatias e neoplasias. Radiografia e ultrassonografia podem auxiliar quando há suspeita de hemorragia interna concomitante. A análise de líquor não confirma o AVE, porém pode ajudar a descartar causas infecciosas, inflamatórias e neoplásicas.

Os exames de imagem avançada (Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética) são os indicados para confirmar o diagnóstico e delimitar a extensão da lesão, além de diferenciar o AVE isquêmico e hemorrágico. Servem ainda para descartar outras afecções como encefalites, traumatismos e neoplasias, que podem ter apresentação clínica semelhante.


Tratamento


Não há um tratamento específico para o AVE, e a maioria dos animais apresenta recuperação espontânea apenas com tratamento suporte. É importante a avaliação minuciosa de cada caso para verificar o suporte necessário para estabilização do paciente, para tal deve-se monitorar parâmetros como nível de oxigênio, pressão sanguínea, balanço hidroeletrolítico e temperatura corporal.

Após a estabilização sistêmica do quadro deve-se buscar medidas para estabilização fisiológica encefálica, buscando a redução da pressão intracraniana e restauração do fluxo sanguíneo encefálico. Para tal é recomendada a utilização de diuréticos osmóticos (como o manitol), mesmo na suspeita de AVE hemorrágico.

A identificação da causa base do evento isquêmico ou hemorrágico é importante para instituição de um tratamento direcionado para evitar futuras recidivas. Em animais que foram estabilizados e permanecem com sequelas neurológicas pode ser utilizado como terapia complementar os vasodilatadores encefálicos e o complexo vitamínico B. A utilização de corticosteróides não é indicada pois não existe evidência de benefício.

No caso do acidente vascular isquêmico, há um período de aproximadamente 6 horas após a lesão inicial em que as injúrias podem ser revertidas. A alternativa para tal é a inibição de cascatas metabólicas e bioquímicas que se iniciam após a isquemia por meio da utilização de antagonistas de receptores de canais NMDA e bloqueadores de canais de cálcio, porém são tratamento ainda a níveis experimentais.

No caso do acidente vascular hemorrágico, a drenagem de coleções sanguíneas e remoção cirúrgica de coágulos é uma opção caso tenham sido detectados por exames de imagem avançada.


Prognóstico


O prognóstico do AVE depende da extensão, localização anatômica, gravidade, presença de doenças concomitantes e resposta ao tratamento. A maioria dos animais se recupera espontaneamente dentro de alguns dias com tratamento suporte. Os animais que apresentam doença concomitante tendem a sobreviver menos tempo caso não sejam identificadas e tratadas.





REFERÊNCIAS


1 - Garosi LS. Cerebrovascular disease in dogs and cats. Vet Clin Small Anim. 2010,40:65-79.


2 - Platt SR, Garosi LS. Canine Cerebrovascular Disease: Do dogs Have Strokes? J Am Anim Hosp Assoc, 2003, 39:337- 342


3 - Torres, Bruno. (2013). Acidente vascular encefálico em cães – revisão Cerebrovascular disease in dogs – review. Medvep. 10. 108-116.



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