Aspectos radiográficos e diagnóstico por imagem da Displasia de Cotovelo em cães
Atualizado: 2 de jul. de 2021
Jéssica Ferreira Campos
Médica Veterinária e residente (R2) em Clínica Médica de Animais de Companhia do Hospital Veterinário da UFMG
A articulação umerorradioulnar, também conhecida como articulação do cotovelo, é formada pelos ossos úmero, rádio e ulna e seus processos ósseos, como o túber do olécrano, processo ancôneo e processo coronóide medial, sendo todas essas estruturas palpáveis no exame físico. Problemas decorrentes do crescimento ósseo e fechamento das placas epifisárias podem acarretar na instabilidade da articulação como um todo, predispondo ao surgimento de patologias.
Algumas doenças de caráter genético hereditário em cães, podem estar associadas a raças ou grupos (ex., pastoreio, caça, esporte) ou ao compartilhamento de haplótipos responsáveis pela manifestação de patologias. As raças de maior prevalência nos EUA, entre 1970 e 2017, foram Rottweiller (38,9%), Bernese Mountain Dog (27,4%), Pastor Alemão (19,2%), Golden Retriever (11,4%) e Labrador Retriever (10,4%).
Atualmente, existem duas teorias para o desenvolvimento da DC, sendo elas a osteocondrose e a incongruência articular.
A osteocondrose é um distúrbio na ossificação endocondral, que seria a formação de tecido ósseo pela ossificação da cartilagem em animais sadios. As principais causas implicadas no seu surgimento seriam a falha na vascularização da região e/ou atraso na diferenciação dos condrócitos devido a supernutrição por excesso de cálcio e/ou vitamina D na dieta. A cartilagem fica mais espessada e, portanto, os condrócitos da camada inferior não recebem adequadamente os nutrientes provenientes do líquido sinovial, tornando-se necróticos. Esse fato impede que aquela área cartilaginosa se fixe ao osso subcondral, e predispõe a formação de “flaps” cartilaginosos (osteocondrite dissecante) ou concavidade com total perda de tecido.
A incongruência articular se define por três tipos de crescimento dessincronizado e/ou assimétrico: i) do rádio com a ulna; ii) úmero com a ulna; iii) incisura radioulnar. No primeiro, o rádio termina mais proximal ou mais distal ao processo coronóide da ulna, tornando-o mais curto ou mais longo do que o normal. No segundo, o raio de curvatura do sulco troclear da ulna é menor do que a curvatura da tróclea umeral ou o rádio é mais longo do que o normal e desloca cranialmente a cabeça do úmero em relação ao sulco troclear da ulna, causando subluxação da articulação. No terceiro, a incongruência entre rádio e ulna leva ao esmagamento do processo coronóide contra o rádio ou há compressão do processo coronóide contra o rádio quando o bíceps braquial flexiona o membro.
O paciente displásico típico costuma ser um animal jovem, entre 5 e 7 meses de idade, com claudicação uni ou bilateral de membros torácicos, inicialmente vista como um enrijecimento do(s) membro(s) após se levantar, que se agrava com o tempo. Ao exame físico, os membros afetados geralmente encontram-se supinados com os cotovelos abduzidos. Pode haver variados graus de crepitação, efusão articular, atrofia muscular e espessamento capsular, no entanto, não há dor à palpação. Ao caminhar ou trotar, o animal tende a poupar o membro mais acometido, deslocando seu centro de gravidade mais caudalmente, em direção aos membros pélvicos. O membro costuma ter uma mobilidade menor do que o normal, mostrando-se enrijecido durante o movimento. Comumente, a sintomatologia clínica não corresponde aos achados radiológicos.
O diagnóstico da DC é feito a partir da combinação dos sinais clínicos, palpação das articulações e diagnóstico por imagem. Uma grande variedade de métodos diagnósticos está disponível, porém ainda não existe o “protocolo ideal”, pois cada método possui seus prós e contras. Por sua complexa etiopatogenia, ainda é muito difícil diagnosticar a doença em seu estágio inicial, o que leva a uma abordagem terapêutica mais tardia, e, portanto, resultados clínicos inconsistentes para evitar progressão da doença.
Ao exame radiográfico, a articulação do cotovelo é região anatômica em que ocorre considerável sobreposição óssea, ainda assim, a radiografia ainda permanece como a ferramenta mais usada e bastante útil no intuito avaliativo da doença, porém, quando os sinais radiográficos não forem conclusivos, a Tomografia Computadorizada entra como método diagnóstico de escolha. As três projeções padrões utilizadas são a mediolateral com membro estendido, mediolateral com membro fletido e crâniolateral-caudomedial 15° oblíqua, para identificação das principais lesões.
A IEWG (InternationalElbowWorkingGroup) estabeleceu um sistema de graduação radiográfica da DC, que varia de 0 a 3, e baseia-se na avaliação da presença de osteófitos, esclerose subcondral, incongruências e lesões marcantes de osteocondrite dissecante, fragmentação do processo coronóide e não união do processo ancôneo (Flückiger, 2011), como mostrado na Tabela 1 abaixo:

Outros métodos diagnósticos disponíveis são a Tomografia Computadorizada (TC), artroscopia, ultrassonografia, cintilografia e Ressonância Magnética (RM).
No manejo da DC, existem o tratamento clínico, que consiste em fisioterapia, nutracêuticos, (ex.: ácido hialurônico e colágeno), controle do peso corporal do animal, melhor aporte nutricional, farmacoterapia (analgésicos) e o tratamento cirúrgico, com procedimentos específicos para a enfermidade apresentada pelo animal. Em ambos os casos, cirúrgico ou clínico, menos de 50% dos animais obtiveram resultados clínicos satisfatórios a longo prazo, sendo os melhores efeitos notados na intervenção precoce. Pacientes que apresentam dor, porém que mantem a estabilidade articular não são candidatos à cirurgia, pois a mesma pode agravar o problema por alterar a estabilidade articular. Além disso, os proprietários devem ser alertados quanto a característica progressiva da doença e, portanto, pode-se observar uma melhora no quadro do animal, porém não a sua cura (OFA, 2018).
Para o tratamento da Incongruência Articular e Doença do Processo Coronóide Medial, os procedimentos cirúrgicos incluem: remoção de fragmento ósseo e desbridamento da região, ostectomia parcial do coronóide, tenotomia total da inserção ulnar do bíceps braquial e osteotomia/ostectomia da ulna. A artrodese da articulação do cotovelo é indicada para animais com claudicação grave e dor acentuada, devendo ser usada como última opção de tratamento, pois resulta em certa dificuldade de deambulação devido à perda de mobilidade da articulação.
Estudos recentes mostram que a modalidade de tratamento com células tronco proveniente de tecido adiposo autólogo é bastante promissora, com significativa regeneração da cartilagem e melhora clínica expressiva do paciente em até 1 ano após a aplicação sem necessidade de uso de outras intervenções e medicações.
Por fim, a melhor alternativa em vista é a seleção genética de animais saudáveis, usando as ferramentas radiográficas e, principalmente, o EstimatedBreedingValue (EBV), que é o valor genético dos animais reprodutores e indica a sua capacidade de transmitir uma determinada característica à sua progênie. A seleção baseada somente no fenótipo do animal leva a progressos pouco expressivos na redução da prevalência da DC. Animais com valores desejáveis de EBV são mais amplamente utilizados na reprodução e, então, a progênie tende a exibir as características fenotípicas almejadas, o que efetivamente reduz a prevalência da doença em cães de raças puras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DYCE, K. M.; SACK, W. O.; WENSING, C. J. G. Tratado de Anatomia Veterinária. 4ed. Elsevier, 2010.
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