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Cardiomiopatia Hipertrófica Felina - Doença subclínica e sua importância diagnóstica

Lucas Queiroz dos Santos – Residente 1 da Clínica Médica de Pequenos Animais


As cardiomiopatias representam um grupo de variadas doenças que afetam o miocárdio, definidas por distúrbios em que o músculo cardíaco apresenta anormalidades no aspecto estrutural e funcional, com ausência de outra doença cardiovascular suficiente para proporcionar a disfunção observada. Nos gatos, as doenças cardiovasculares estão entre as dez causas mais comuns de óbito.


Na cardiomiopatia hipertrófica (CMH) ocorrem mudanças morfológicas e funcionais do miocárdio que podem incluir hipertrofia concêntrica primária, disfunção diastólica, obstrução da saída do ventrículo esquerdo, substituição miocárdica por fibrose intersticial, estreitamento das artérias coronárias intramurais, aumento e disfunção atrial esquerda. Além disso, esta doença possui prevalência estimada de 15% da população de gatos.


A manifestação clínica da CMH reflete a alteração morfológica e funcional que se desenvolve ao decorrer da doença, com alguns pacientes afetados permanecendo compensados por muitos anos, enquanto a maioria são considerados subclínicos. Uma parcela desses gatos progride para insuficiência cardíaca congestiva (ICC), tromboembolismo arterial (TEA), síncope e até para morte súbita cardíaca (MSC).


A isquemia do miocárdio ocorre devido à perfusão coronariana prejudicada correlacionada à diminuição da densidade capilar e redução do diâmetro intramural. Por consequência, ocorre comprometimento do fluxo sanguíneo destinado ao miocárdio, levando a uma vascularização coronária deficiente e a um quadro de fibrose com aumento na deposição de tecido conjuntivo entre as fibras musculares, conferindo rigidez cardíaca. Dessa forma, a função sistólica do miocárdio torna-se deficiente resultando em hipertrofia compensatória.


Quando o átrio esquerdo se depara com altas pressões de enchimento diastólico ocorre o seu aumento de tamanho, o que favorece a formação de trombos que podem progredir até a bifurcação da aorta, provocando paresia ou paralisia dos membros pélvicos. Também, o aumento da pressão no átrio esquerdo e nas veias pulmonares ocasiona aumento da pressão hidrostática dos capilares pulmonares, que leva à exsudação de fluido do parênquima pulmonar, caracterizando o edema pulmonar cardiogênico e/ou derrame pleural. Além disso, a MSC pode ocorrer nesses gatos.


Identificar gatos com doenças cardíacas ocultas é difícil na rotina geral, pois as ferramentas de diagnóstico disponíveis incluindo exame físico, radiografias torácicas, eletrocardiograma, testes genéticos e biomarcadores, possuem limitações. Dessa forma, riscos cardiovasculares associados aos casos subclínicos continuam sem solução para a CMH em gatos. O ecocardiograma é considerado padrão de referência clínica para o diagnóstico de CMH em gatos. No entanto, a grande maioria dos gatos nunca realiza uma avaliação ecocardiográfica durante sua vida.


A maioria dos gatos com CMH está no estágio subclínico, o que dificulta o diagnóstico e a possibilidade de tratamento precoce, e dessa forma a evolução da doença seguida por mortalidade em cinco anos foi relatada em aproximadamente 23% dos casos, independentemente da idade no momento do diagnóstico.


Figura 1: Estadiamento clínico das cardiomiopatias em felinos.




Os principais objetivos do tratamento da CMH são: facilitar o enchimento ventricular, aliviar a congestão, controlar as arritmias e minimizar a isquemia, prevenir a ICC, o tromboembolismo arterial e a MSC, além da reversão de anormalidades miocárdicas, apesar de que raramente esses objetivos são alcançados.


O tratamento de gatos com CMH subclínica é controverso devido à falta de evidências. E mesmo que gatos em estágio B1 não desenvolvam sinais clínicos, ainda que apresentem baixo risco de ICC e TEA, é recomendado que sejam monitorados anualmente para avaliar o aumento da câmara atrial esquerda, que estabelece a progressão ao estágio B2. Gatos com CMH em estágio B2 possuem alto risco de desenvolverem ICC ou TEA. A prevenção consiste na redução da formação de trombos, principalmente quando os fatores de risco conhecidos estão presentes. O fármaco antitrombótico clopidogrel é recomendado em gatos considerados para risco de TEA (aumento moderado a grave do AE, baixa fração de encurtamento do AE, dentre outros parâmetros ecocardiográficos alterados). Este fármaco não elimina o risco e, portanto, outros fármacos antitrombóticos podem ser associados ao clopidogrel, como a aspirina.

Gatos em estágio C que desenvolvem edema pulmonar ou derrame pleural causado por ICC geralmente apresentam taquipneia e/ou dispneia. O uso de diurético de maneira empírica deve ser considerado imediatamente se o índice de suspeita é alto, principalmente se associado à hipotermia e som de galope na ausculta. Além disso, a suplementação com oxigênio é necessária para qualquer gato com dificuldade respiratória e a sedação com um ansiolítico deve ser considerada. O estresse pode ser minimizado ainda mais com o manejo ambiental adequado.

O tratamento com fluido intravenoso é contraindicado em gatos com sinais de congestão evidentes, visto que pode exacerbar os sinais de ICC, mesmo que os diuréticos sejam administrados ao mesmo tempo.

Monitorar a temperatura corporal, frequência respiratória, peso corpóreo, pressão arterial e o débito urinário é importante. Tratamento antitrombótico profilático é recomendado para qualquer gato com histórico de ICC e aumento moderado a grave do AE. Recomenda-se que os gatos com cardiomiopatia em estágio C sejam reexaminados em intervalos de aproximadamente 2 a 4 meses ou conforme necessário. A avalição clínica do aspecto nutricional deve ser realizada associada à suplementação e mudança dietética conforme necessário.

Em gatos que já estão em estágio D, portanto refratários aos tratamentos, deve ser considerada a associação do uso de um diurético mais potente devido à persistência da ICC.

A maioria dos gatos com TEA apresentados possuem prognóstico desfavorável, no entanto, se a analgesia for adequada e fatores prognósticos favoráveis estiverem presentes (normotermia, apenas um dos membros afetados e ausência de ICC), uma tentativa de tratamento pode ser considerada, desde que os tutores estejam totalmente cientes dos riscos e do prognóstico.



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