Hipertensão
Atualizado: 5 de out. de 2021

Autora: Pollyana Marques e Souza O aumento anormal da pressão arterial sistêmica (PAS) em cães e gatos é chamado de hipertensão. Há o desafio de definir exatamente o que é a PAS porque os valores fisiológicos não são ainda muito bem padronizados dentro da medicina veterinária, sendo possível ter variações entre as diferentes raças de cães. Pode-se considerar normal uma variação de até 20% nos valores normais nas raças de cães de guarda, como é o caso do Pastor Alemão.¹ Sabe-se ainda que existem fatores que podem interferir diretamente nos valores de PAS, como, idade, sexo (de machos tendem a ser maiores) e obesidade, que pode ter doenças concomitantes associadas.²
Portanto, apesar da literatura variável, estabelece-se os seguintes padrões de pressão arterial sistólica:

Sabe-se, no entanto, que no caso de cães e gatos, geralmente há uma causa base para a hipertensão, sendo que raramente ela é idiopática e, dentre as doenças que podem ser citadas, encontra-se as doenças renais (tubular, glomerular e vascular), hiperadrenocorticismo, feocromocitoma, diabetes melito, doenças hepáticas, hiperaldosteronismo, lesões intracranianas. Dietas ricas em sal, obesidade e anemia crônica em gatos. ¹ E, além disso, alguns medicamentos também podem gerar esse quadro, como por exemplo: glicocorticoides, mineralocorticoides, agentes antiiflamatórios não esteroidais, fenilpropanolamina, cloreto de sódio e até fenilefrina tópica. ¹
A PAS é mantida pelo equilíbrio entre o débito cardíaco e a resistência vascular periférica. E é controlada através de diversos mecanismos fisiológicos podendo ser eles hormonais, como no caso do sistema renina-angiotensina-aldosterona, vasopressina e hormônios natriuréticos. Além disso, há também a regulação pelo sistema nervoso autonômico por meio dos barorreceptores localizados nos grandes vasos e a regulação da volemia pelo rim. A hipertensão pode ser desencadeada quando houver desequilíbrio em algum desses mecanismos. ¹
A PAS trata-se do aumento da pressão de capilares por causa da vasoconstrição de arteríolas que alimentam os tecidos vivos do organismo. Em situações de cronicidade, pode haver hipertrofia da musculatura lisa desses vasos, fazendo com que a resistência vascular aumente, causando como consequência hipóxia capilar, dano tecidual, hemorragias, infartos, podendo levar a lesões em órgãos alvo. Os órgãos mais acometidos são os olhos, cérebro, rins e coração. Dentre as complicações observadas observa-se: retinopatias, coriopatias, descolamento de retina, aumento da pressão intracraniana, encefalopatia hipertensiva, acidente vascular cerebral, poliúria/polidipsia, glomeruloesclerose, degeneração ventricular esquerdam murmúrio ou ritmo de galope, dilatação da aorta, entre outros. ¹
Diagnóstico
O diagnóstico pode ser um pouco demorado e trabalhoso, pois, são muitos os fatores que podem interferir na obtenção da pressão arterial real do animal. Primeiramente, deve-se procurar a doença de base desencadeante do quadro e, trata-la antes de tratar a hipertensão, pois, solucionando esse problema central, é possível que os valores retornem para dentro do intervalo satisfatório.² Além disso, deve-se descartar a possibilidade da causa ser por reação medicamentosa, que é possível acontecer quando o animal faz uso de glicocorticoides, mineralocorticoides, agentes antiinflamatórios não esteroides, fenilpropanolamina, cloreto de sódio etc.¹. Como os animais podem desenvolver estresse da consulta ou da internação que pode elevar a pressão arterial, é importante aferi-la com intervalos espaçados de tempo e em condições de silêncio e conforto para o animal.¹ Por outro lado, se já há evidência de lesão em órgão alvo, sabe-se que a hipertensão é grave e deve ser tratada imediatamente. ²
Na medicina veterinária, há três diferentes formas de aferir a PAS. A primeira dela trata-se de uma aferição direta, onde uma artéria é cateterizada e o seu pulso é medido através de um monitor eletrônico que capta o estímulo de um transdutor. Trata-se da técnica mais confiável, mas as suas limitações incluem a dificuldade de se cateterizar uma artéria e a contenção do animal, que muitas vezes não permite que o procedimento seja feito sem uma sedação¹, por isso, apesar de ser considerada a técnica padrão ouro para aferição desse parâmetro, ele torna-se inviável de ser realizado na rotina clínica. ²
Os outros métodos aferem a PAS de maneira indireta, utilizando braçadeiras infláveis que irão obstruir a passagem do sangue e a partir daí, medir de diferentes formas seu valor. Para estes métodos, é de grande importância que seja utilizada a braçadeira certa, uma vez que há grande diversidade de portes de animais dentro da medicina veterinária e o tamanho das braçadeiras deve ser compatível com o tamanho do animal. Para isso, antes de aferir, escolhe-se o membro que será utilizado para aferir a pressão. Depois, mede-se a espessura desse membro, e, para a escolha da braçadeira deve-se levar em consideração que ela deve ser correspondente a 40% da circunferência em cães e de 30-40% da circunferência em gatos. Além disso, o balão da braçadeira deve ser centralizado sobre a artéria alvo. Para manter a braçadeira da forma adequada, aconselha-se usar uma fita adesiva para fixar, além do velcro da própria braçadeira. ¹
No método oscilométrico, há um sistema automatizado que infla a braçadeira em uma pressão maior que a do animal em questão e libera-a aos poucos para aferir a pressão, sendo possível determinar a pressão sistólica, diastólica ou médias por meio desde método. Vale ressaltar ainda que tremores musculares podem interferir na sua aferição, por isso é necessário que o animal não esteja apoiando peso no membro¹.
No método de ultrassom por Doppler, o pulso arterial é transformado em um estímulo sonoro audível. Dessa forma, centraliza-se o doppler na região da artéria de forma que se possa ouvir o pulso (recomenda-se fazer tricotomia da área para diminuir interferências e usar um gel transdutor a base de água). Depois disso, infla-se a braçadeira até que o som desapareça e diminui-se aos poucos o garroteamento até que seja possível ouvir novamente o som do pulso. O valor marcado no esfingomanômetro refere-se à pressão arterial sistólica do animal. ¹
As limitações dos métodos indiretos é que eles não apresentam grande confiabilidade quando a pressão está baixa. Sendo mais precisos em animais que estejam normotensos ou hipertensos. ¹
Tratamento e prognóstico
Opta-se pelo tratamento quando há uma hipertensão grave ou moderada e quando os sinais clínicos forem decorrentes da hipertensão.²
Existem pacientes que podem apresentar hipertensão crônica e, nestes casos é desejável que ela diminua de forma gradual porque com a cronicidade do quadro, o organismo começa a criar mecanismos para se adaptar e se ela for diminuída muito abruptamente pode desenvolver lesões cerebrais¹.
Com a terapia anti-hipertensiva, espera-se cerca de uma semana para nova aferição. Caso não apresente melhora, a dose pode ser revista ou associação de outros fármacos. ¹
Fármacos anti-hipertensivos
Inibidores de ECA: Atuam inibindo a angiotensina II e consequentemente diminuindo a resistência vascular e a retenção de volume. Vale ressaltar que esse fármaco possui maior efetividade em cães.¹
Bensilato de anlodipino: É um bloqueador de canais de cálcio. Ele promove a vasodilatação com poucos efeitos cardíacos. Possui maior eficácia em gatos. Se não houver resposta satisfatória, pode-se associar inibidores de ECA. ¹
Beta bloqueadores: Diminuem a pressão arterial diminuindo o ritmo cardíaco e por meio da liberação de renina pelo rim. Fármaco de escolha em gatos que apresentam hiperadrenocorticismo. ¹
Antagonistas alfa-1-adrenérgicos: Atua opondo-se aos receptores alfa. Fármaco de escolha utilizado quando o animal possui feocromocitoma. Com essa classe de medicamento pode haver taquicardias reflexas, e se isso acontecer aconselha-se usar um beta-bloqueador associado.¹
Como a terapia anti-hipertensiva, pode desenvolver hipotensão, é importante monitorar a pressão de forma constante. Além disso, se a terapia for retirada abruptamente, pode acontecer hipertensão reflexa então, quando houver indicação de interromper o uso desses medicamentos, é necessário diminuir a dose vagarosamente até serem retirados completamente. ¹
Manejo da hipertensão em cães
A hipertensão em cães geralmente não é uma emergência. A terapia de escolha nessa espécie geralmente é baseada em bloqueadores de canais de cálcio, inibidores do sistema renina-angiotensina e inibidores de ECA. ²
O uso do anlodipino (inibidor de canais de cálcio) deve ser evitado em monoterapia em cães porque ele dilata a artéria aferente do rim e pode causar danos glomerulares por aumento da pressão hidrostática. Por isso, aconselha-se o uso dos bloqueadores de canais de cálcio associado com inibidor do sistema renina-angiotensina para que os danos glomerulares sejam minimizados. ²
Se a terapia inicial não for efetiva, outras drogas podem ser associadas, como por exemplo diuréticos em doses baixas quando os animais clinicamente apresentam aumento de volume de líquido corporal. ²
Manejo da hipertensão em gatos
O anlodipino (bloqueador de canal de cálcio) é a droga de primeira escolha nessa espécie, tanto em casos de hipertensão idiopática quando em casos de hipertensão por doença renal e a dose deve ser de acordo com o grau de hipertensão que o gato apresenta. ²
Não é indicado o uso de inibidores de ECA em primeira escolha, mas se o bloqueador de canal de cálcio não for suficiente para diminuir a pressão ele pode ser usado.²
Emergências hipertensivas
É considerado uma emergência quando o animal está sofrendo algum dano diretamente ligado à hipertensão. Quando isso ocorre, pode-se usar o bensilato de anlodipino (especialmente em gatos). Além deste, pode ser usado também o nitroprussiato de sódio e a hidralazina, mas estes têm maior risco de causarem hipotensão, então deve haver um monitoramento mais intensivo desses pacientes. ¹
Se a monoterapia com o anlodipino e a hidralazina não diminuírem a pressão em até doze horas, podem ser associados beta-bloqueadores, inibidores de ECA, acepromazina. ¹
Vale lembrar ainda que a emergência hipertensiva pode ter como causa base um feocromocitoma. Neste caso, usa-se referencialmente alfa bloqueadores intravenosos, titulando-se a dose até a obtenção de um resultado satisfatório. Se houver taquicardia reflexa, aconselha-se o uso de beta-bloqueadores associado. O controle da hipertensão neste caso é importante para efetuar a cirurgia de retirada do tumor e, aconselha-se fazer essa redução de 2 a 3 semanas antes da sua excisão. ¹
Referências
1) N. Richard; C. C. Guilhermo; Medicina interna de pequenos animais. Elsevier, 2015
2) Acierno, M. J et al; ACVIM consensus statement: Guidelines for the identification, evaluation, and management of systemic hypertension in dogs and cats.2018. 32:1803–1822. American College of Veterinary Medicine, 2018