Manifestações Clínicas do Tumor Venéreo Transmissível Canino
Atualizado: 17 de set. de 2021
Pedro Antônio Bronhara Pimentel - membro do GEPA UFMG e do GECIVET Brasil
Introdução
O tumor venéreo transmissível canino (TVTC) é uma neoplasia de caráter contagioso que pode ser transmitida através da implantação de células neoplásicas de um cão a outro. Dentre as diversas denominações desse tumor pode-se encontrar facilmente na literatura as nomenclaturas “tumor venéreo transmissível” (Bulhosa et al., 2020), “tumor de Sticker” (Rocha et al., 2016) e “tumor venéreo transmissível canino” (Strakova e Murchison., 2014).
É classificado como uma neoplasia de células redondas pelo seu aspecto citomorfológico, com núcleo e citoplasma arredondados com vacuolizações intracitoplasmáticas. As outras neoplasias de células redondas que podem ser consideradas diagnósticos diferenciais ao TVTC são o mastocitoma, histiocitoma, plasmocitoma e linfoma (Araújo et al., 2012). Alguns autores classificam esse tumor de acordo com sua citomorfologia em linfocitoide, com o citoplasma mais arredondado; plasmocitoide, com o citoplasma mais alongado; e misto com células dos dois tipos anteriores identificadas no mesmo tumor (Reis Filho et al., 2020), como demonstrado abaixo na Figura 1.

Figura 1: Padrão citomorfológico misto do tumor venéreo transmissível ilustrado por Reis Filho et al. (2020) com coloração de Giemsa em microscopia de 40x. Célula com citomorfologialinfocitoide (seta pequena) e célula com citomorfologiaplasmocitoide (seta grande).
O diagnóstico dessa neoplasia é principalmente a partir do histórico, anamnese e morfologia através do exame citológico. Aspectos epidemiológicos do tumor associados ao acesso a rua, comportamento sexual e idade dos cães são fatores que são utilizados para se suspeitar desse diagnóstico, porém é necessária a citologia para confirmação. Em casos na qual a citologia não é conclusiva, a histopatologia e o exame imunohistoquímicosão utilizados (Brandão et al., 2002; Araújo et al., 2012).
A distribuição do TVTC se distingue de outras neoplasias em não se originar a partir de mutações nas células do portador. Em outros tumores há fatores carcinogênicos predisponentes como os hormônios sexuais noscarcinomas mamários ou radiação ultravioleta em carcinomas de células escamosas. O tumor venéreo transmissível é dependente de sua transmissão por implantação, então deve ser encarado como uma doença contagiosa,possuindo caráter mundial e sendo endêmico em dezenas de países, principalmente na África, América Latina e Ásia (Strakova e Murchison., 2014). No Brasil, o TVTC também é amplamente distribuído e possui relatos de casos na maioria dos estados.
Manifestações clínicas e características:
A manifestação genital do TVTC é a mais comumente reportada pela literatura. Analisando sua disseminação, o coito é a principal forma de transmissão do tumor, assim através do atrito entre as áreas mucosas genitais dos cães e das cadelas ocorrem pequenas lesões facilitando a implantação das células tumorais. A apresentação geralmente é caracterizada por aumento de volume em formato nodular ou em aspecto de “couve flor” avermelhado, podendo gerar secreção serosanguinolenta. Em machos as principais áreas de acometimento genital são o pênis e o prepúcio, enquanto em fêmeas é a vagina (Brandão et al., 2002). Segundo Huppes et al. (2014) 96% dos diagnósticos de TVTC estudados em sua casuística tinham sua localização em região genital, enquanto nos casos estudados por Brandão et al. (2002) essa proporção era próxima de 70%, denotando divergências na literatura, mas com a manifestação genital como a mais prevalente.

Figura 2: Manifestações genitais do TVTC em pênis (A) e em vulva (B), ilustradas por Strakova e Murchison (2014).
As manifestações extragenitais constituem todas as manifestações clínicas do TVTC que não ocorrem em topografia genital, portanto não são relacionadas diretamente à transmissão venérea. As principais reportadas na literatura são as manifestações cutâneas, nasais e orais, podendo ocorrer através da transmissão de grupos de células neoplásicas por lambeduras e o ato de farejar dos cães. Como hábito comportamental, os cães lambem comumente suas áreas genitais e perianais, além de feridas quando presentes, podendo assim implantar as células do TVTC de um sítio para outro (Brandão et al., 2002; Strakova e Murchison, 2014).
Um dos pontos de dúvida em relação ao TVTC é a sua malignidade. Esse tumor é classificado como uma neoplasia maligna devido ao seu potencial metastático, principalmente em linfonodos locais, mesmo que não seja recorrente seu acometimento. Raramente há apresentação de metástases à distância, contudo diversos sítios metastáticos já foram reportados, como tecido mamário, pele, olhos, fígado, baço, pulmões, peritônio, medula óssea (Pereira et al.,2000; Amaral et al., 2004), inclusive sendo relatada apresentação em sistema nervoso central, como demonstrado na Figura 3 (Arias et al., 2016). Mesmo que diversos autores considerem todas as manifestações extragenitais como metástases, a classificação de um sítio de TVTC como metastático pode ser contestada em determinados locais pensando na implantação de células por contato, que pode ocorrer de um sítio a outro.

Figura 3: Mielografia lateral ilustrando irregularidade em coluna de contraste (seta vermelha) em um relato de caso de TVTC em sistema nervoso central elaborado por Arias et al. (2016).
Pode haver remissão espontânea do TVTC, que geralmente ocorre entre três e seis meses após a implantação, sendo um tumor bastante imunogênico, em que a resposta imunológica do hospedeiro torna-se determinante no comportamento natural da doença (Chu, et al., 2001)
O tratamento padrão é a utilização do sulfato de vincristina, um quimioterápico com alta taxa de sucesso para essa neoplasia. A cirurgia não é o tratamento de escolha para esse tumor, uma vez que há alta chance de recidiva local se não forem realizadas margens amplas e o tratamento quimioterápico mostra-se muito eficaz. Na maioria dos casos, o TVTC não leva o portador ao óbito, portanto cães acometidos podem portar e transmitir o tumor por anos, principalmente no ambiente extradomiciliar, onde não há a atenção de tutores (Brandão et al., 2002).
Essa neoplasia ainda é muito comum no Brasil e deve ser bem estudada pelos clínicos, principalmente focando em suas manifestações clínicas e fatores epidemiológicos, que se mal analisados em apresentações atípicas podem levar a diagnósticos inadequados e decorrer em tratamentos indevidos.
Referências bibliográficas
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