Medicina Tradicional Chinesa Aplicada a Pequenos Animais
Atualizado: 17 de set. de 2021
Francielli Martins Souto, membro do Grupo de Estudos em Pequenos Animais (GEPA UFMG) e Lígia de Morais Gomes, Médica veterinária pós- graduada em acupuntura
A Medicina Tradicional Chinesa (MTC), diferentemente da ocidental, que possui uma abordagem tecnológica e inovadora, é uma ciência milenar com conhecimento estabelecido na experiência empírica acumulada pelos chineses. Possui a prevenção, o diagnóstico e o tratamento fundamentados em várias teorias relacionadas à natureza e ao corpo (5). Essa medicina milenar foi pouco aplicada em outras civilizações do mundo, ao que se deve, principalmente, ao isolamento da China, mas com maior abertura do país ao mundo, a MTC começou a se espalhar pelo Ocidente.
Dois autores importantes são o Imperador amarelo, Huang Di, e o Imperador do fogo, Shennong. Ambos possuem histórias datadas entre 2500 a 2700 AC e possuem grande significado na escrita médica para a MTC. O conhecimento que envolve a essas práticas está baseado na teoria Yin Yang, na teoria dos 5 elementos, sistema de circulação de energia pelos meridianos e Qi/Xie Xue (5).

Símbolo Yin Yang
Fonte: https://www.gratispng.com/baixar/yin-yang.html
Para a MTC, a saúde se dá pelo equilíbrio das energias, Yin e Yang, que percorrem todo o corpo do animal através dos meridianos que se comunicam em pontos distribuídos pelo corpo. Estas, quando em desequilíbrio provocam as doenças expressas pelo indivíduo. Ou seja, como expresso pelo símbolo, nem o Yin e nem o Yang podem sobrepor-se um ao outro, e assim ocorre à harmonia.
A teoria dos 5 elementos ou dos 5 movimentos envolve os cinco elementos da natureza: Fogo, Terra, Metal, Água e Madeira e as constantes transformações que eles sofrem entre si, seguindo um ciclo de geração (produção) e dominação (controle) (1). Cada elemento representa um órgão e vísceras (conceitos diferentes abordados na MTC) e sua interligação.

Símbolo da teoria dos 5 elementos
Fonte: https://www.institutoconfucio.com.br/entendendo-a-medicina-tradicional-chinesa/
Segundo Schwartz (2008) no livro Quatro Patas Cinco Direções, a MTC veterinária inclui a acupuntura, a fitoterapia, a acupressão e a dietoterapia. Além desses, o tui-na, a ventosaterapia e a moxabustão também integram as terapias da MTC e podem ser aplicadas nos animais.
A acupuntura visa o emprego de estímulos através da inserção de agulhas em pontos específicos na pele, chamados acupontos. É uma terapia reflexa e o estímulo aplicado em cada ponto utiliza principalmente o estímulo nociceptivo (4). A acupressão utiliza a pressão através da força dos dedos nesses mesmos pontos em que são inseridas as agulhas. Os acupontos são pontos em regiões da pele que se ligam a meridianos que se comunicam com outras regiões, órgãos e vísceras do corpo. Os pontos podem transmitir os sinais e alterações que ocorrem no interior do indivíduo até a superfície e vice-versa. Dessa forma, a ação em acupontos reequilibra a desarmonia interna.

Acupuntura em cão
Fonte: http://pethousebelem.com.br/pt/acupuntura/
A moxabustão, ou simplesmente moxa, utiliza em sua técnica a estimulação de pontos de acupuntura por meio de calor produzido pela queima da erva Artemísia vulgaris, geralmente utilizado na forma de um bastão semelhante a um charuto, mas também pode ser apenas pela queima da lã presa à agulha de acupuntura (2).

Moxabustão em gato
Fonte: https://twitter.com/catlandrescue/status/1248948509744791557
A técnica de agulhamento nem sempre é muito aceita pelos animais, mas o uso da moxa normalmente é bem confortável. Dessa forma, quando a doença requerer o tratamento pelo calor, a moxa é uma excelente opção.
Na técnica de ventosas usam-se copos de vidro, acrílico, bambu ou plástico, na qual é produzido um vácuo no interior dessa estrutura com uso de fogo ou por meio de bomba de sucção em acupontos ou até em áreas de dor. Na MTC veterinária essa técnica possui alguns empecilhos, como o uso em pele sem pelo necessitando de tricotomia no local a ser realizada a técnica. A ventosaterapia promove aumento da circulação e da oxigenação dos tecidos, liberação de substâncias que promovem o relaxamento muscular e articular, liberação de toxinas, redução da dor e equilíbrio das funções corporais.
Já a fitoterapia, é uma vertente que trabalha com as substâncias medicinais para auxiliar no reequilíbrio do corpo e podem ser indicadas sozinhas ou em fórmulas fitoterápicas contra doenças, de acordo com o desequilíbrio energético do corpo (3). Há fórmulas em chá, tinturas, extratos e cápsulas. Dessa forma, algumas apresentações possuem dificuldades na administração para animais.
A dietoterapia fundamenta-se em um direcionamento nutricional para prevenção, controle e cura de doenças, pois possui como finalidade manter a saúde, superar doenças ou reduzir manifestações quando já se encontram instaladas. A dietoterapia chinesa não é nada parecida com as dietas ocidentais, já que se baseia em características dos alimentos, sabor e energia, no desequilíbrio do corpo, além de particularidades ambientais e climáticas. As categorias do sabor são: amargo, azedo, picante, doce e salgado. Já a energia, fundamenta-se na energia vital encontrada em cada alimento, denominada Qi, que é absorvida com a sua ingestão. Assim, existem alimentos que são quentes e frescos e/ou tranquilizam e aceleram, e são indicados mediante os sinais de calor e frio e/ou estagnação e agitação, por exemplo.
O Tui-na é uma técnica de massagem, com diversas manobras, que busca a reabilitação e a prevenção da saúde visando os meridianos, assim como na acupuntura. As massagens, que incluem balançar, esfregar, vibrar, apertar, bater, mover e articular possuem como objetivo o equilíbrio do fluxo de energia nos canais. Ou seja, através da Tui-na ou da acupuntura, a energia produzida pela técnica regulará a função do corpo restabelecendo o fluxo adequado de Qi e sangue através dos canais. É uma técnica que pode ser aceita pelos animais, assim é importante seguir de acordo com a permissão do paciente.

Tui-na em cão
Fonte: https://ivcjournal.com/tui-na-chinese-medical-massage/
Outro ponto que difere a MTC da medicina ocidental é o diagnóstico, pois na medicina oriental é primordial observar, ouvir e cheirar o paciente, perguntar sobre histórico, palpar o pulso (algumas vezes difícil na medicina veterinária, mas muito importante), palpar tórax e abdome, assim como pontos e canais que transitam a energia. Há também a observação da língua, que muitas vezes se torna difícil na medicina veterinária, especialmente em felinos.
Apesar de a MTC ser empírica e milenar, sendo passada por gerações entre os orientais, atualmente há muitas pesquisas que corroboram com o conhecimento desenvolvido nessas técnicas seculares. Assim, a MTC só tem a agregar à medicina veterinária ocidental e brasileira.
Referências:
GUIMARÃES, D. P., Abordagem Terapêutica: Medicina Tradicional Chinesa e Digitopuntura na Contenção e Relaxamento do Paciente Canino. Monografia - Instituto Especializado em Homeopatia e Acupuntura Jacqueline Pecker, p. 18, Campinas - SP, 2008. Disponível em: <http://www.institutojp.com.br/wp- content/uploads/2016/11/Monografia_de_Denilson.pdf>
LIMA, S. C., Tratamento de Conjuntivite Canina com Moxabustão. Monografia - Instituto Especializado em Homeopatia e Acupuntura Jacqueline Pecker, p. 28, Belo Horizonte – MG, 2014. Disponível em: <http://www.institutojp.com.br/wp- content/uploads/2018/01/MONOGRAFIA-TRATAMENTO-DE- CONJUNTIVITE-COM-MOXABUST%C3%83O-BH.pdf>
OLIVEIRA A. S. M., Fitoterapia Chinesa. Tese se mestrado - Universidade Fernando Pessoa - Faculdade de Ciências da Saúde, Porto – Portugal, 2016. Disponível em:<https://bdigital.ufp.pt/bitstream/10284/5801/1/PPG_22131.pdf>
SCHWARTZ, C., Quatro Patas Cinco Direções, Um Guia de Medicina Chinesa para Cães e Gatos. Tradução Áurea Daia Barreto. Ed. Ícone editora, São Paulo - SP, 2008.
SCOGNAMILLO-SZABÓ, M. V. R; BECHARA, G. H.. Acupuntura: Bases Científicas e Aplicações - Revisão Bibliográfica. Ciência Rural, v. 31, n. 6, 2001.
YUAN, C., BIEBER, E. J.; BAUER, B. A., Traditional Chinese Medicine. Ed. Informa healthcare. P. 307, Flórida – EUA, 2011.